Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) obtiveram um aporte de R$ 20 milhões do Ministério da Saúde para dar início à fase final de testes do soro antiapílico, que trata o envenenamento por abelhas africanizadas, ou Apis mellifera. O trabalho será conduzido pela equipe do Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos (CTS), um Centro de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) da Fapesp.
Com tecnologia 100% nacional, o biofármaco começou a ser desenvolvido há mais de uma década por cientistas do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap) da Unesp, campus de Botucatu. O trabalho recebeu apoio da Fapesp.
As chamadas abelhas africanizadas – resultado do cruzamento entre abelhas-africanas e europeias – se tornaram uma das espécies mais comuns no país. Por um lado, são as principais responsáveis pela produção de mel no Brasil; por outro, estão frequentemente envolvidas em acidentes com seres humanos. As ocorrências variam desde picadas leves, que causam apenas dor local e inchaço, até reações sistêmicas graves. Isso ocorre por causa da sensibilidade do indivíduo aos componentes do veneno ou pela ocorrência de múltiplas picadas, levando a dificuldades para respirar, choques, tremores e insuficiência renal, entre outros sintomas.
O uso de pesticidas, o desmatamento e o declínio dos recursos florais têm favorecido encontros com as abelhas em ambientes urbanos. No Brasil, entre 2013 e 2023 foram registrados 206.746 casos de picadas de abelhas. Em 2023, ocorreram 33.317 casos, mais que os 32.420 de acidentes com serpentes, resultando em 649 mortes diretas e 50 indiretas. Assim, configura-se um ecossistema propício a um problema de saúde pública negligenciado: o aumento potencial de casos somado à ausência de um tratamento adequado.

“Infelizmente nós não temos hoje, na rede de saúde, um antídoto específico para esses acidentes. O atendimento com drogas para controlar a dor, inflamação e alergia é o protocolo padrão realizado em qualquer hospital. No entanto, a ausência de um tratamento específico torna esses casos mais graves, podendo levar à morte”, ressalta Rui Seabra Ferreira Jr, coordenador-executivo do Cevap.
O bioproduto passou a ser produzido em 2009, após ter seu conceito avaliado nos estudos de pós-graduação e pós-doutorado de Ferreira Jr. Assim como outros soros, o antiapílico é feito pela inoculação gradual do veneno de abelhas africanizadas em cavalos, estimulando a produção de anticorpos no plasma sanguíneo. Em seguida, o sangue é coletado, o plasma é purificado e, a partir dele, é elaborada a formulação do soro.
Em 2013, sob a liderança de Benedito Barraviera, o Cevap, em parceria com pesquisadores do Instituto Vital Brazil (RJ) e do Instituto Butantan (SP), conduziu um estudo clínico multicêntrico de fase 1/2. Realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu (SP), e no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Tubarão (SC), de 2016 a 2018, o estudo comprovou a segurança e a eficácia preliminar do soro. Participaram 20 voluntários adultos, com idade média de 44 anos, expostos a um número de picadas que variou de sete a 2 mil. Não foram registrados efeitos adversos graves e todos os pacientes apresentaram melhora clínica. A patente do soro antiapílico foi deferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no início de 2023.
A próxima etapa é a realização da terceira e última fase de estudos clínicos, com a participação de 150 a 200 pacientes. A aprovação do financiamento no âmbito do edital de 2024 do Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL) do Ministério da Saúde, em setembro, viabiliza a fase final dos testes do soro, depois da qual será possível solicitar o registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e obter a autorização para a produção comercial e para o Sistema Único de Saúde (SUS).