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10/05/2025

Grupos terapêuticos ajudam mães a lidar com “dor inominável” do luto 

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Em 2011, Márcia Noleto perdeu a filha Mariana em um acidente de helicóptero. Desde então, o luto passou a fazer parte da sua vida não apenas como experiência pessoal, mas como objeto de estudo e foco de trabalho.

A fundadora do grupo Mães sem Nome estudou psicologia para compreender melhor as múltiplas experiências de luto e como é possível continuar vivendo e reencontrar a alegria, mesmo que a ausência nunca possa ser preenchida. Em 14 anos, o grupo já ajudou milhares de mães em luto e alguns desses relatos se juntam à pesquisa de mestrado de Márcia, em seu recém-lançado livro Luto Materno.

Atualmente, mais de 20 psicólogas atendem voluntariamente mães de todo o Brasil que se reúnem em grupos virtuais e presenciais, para compartilhar suas experiências e se apoiar durante esse processo tão unicamente doloroso. No Dia das Mães, elas se revezam em esquema de plantão para dar auxílio individual àquelas que mais precisam.

Em entrevista à Agência Brasil, Márcia explica que esta é uma data de grande vulnerabilidade para essas mulheres, que não deixaram de ser mães, mas infelizmente não podem mais celebrar a data ao lado dos filhos que partiram. Mas ela também deixa uma mensagem de esperança: “a mãe que perde um filho jamais vai conseguir superar isso. Mas ela pode fazer um movimento de realinhamento com a vida”. 


Brasília (DF) 09/05/2025 -  Grupos terapêuticos ajudam mães a lidar com
Brasília (DF) 09/05/2025 -  Grupos terapêuticos ajudam mães a lidar com

Após perder a filha, Márcia Noleto fundou o grupo Mães sem Nome e estudou psicologia Foto: Fernando Rabelo

Agência Brasil: Como o grupo começou?
Márcia Noleto: Eu tinha uma outra vida. Eu fui secretária do Consulado Geral da França durante 20 anos, até que aconteceu o acidente, em 2011. Um pouco antes, a Mariana tinha me ensinado a usar o Facebook, então eu pedi orações por ela no meu perfil e foi uma coisa surpreendente porque muitas mulheres do Brasil, e até de fora do Brasil, começaram a me mandar mensagens de esperança e de fé. E aí eu comecei a me comunicar com essas mulheres e muitas delas já tinham perdido filhos também. E naturalmente foi se formando um grupo de mulheres no Facebook que perderam filhos. Então, eu pensei assim: ‘Meu Deus, que universo é esse, que sofrimento é esse? É uma dor que não tem fundo, né? Ela é imensurável.’

E aí eu decidi estudar psicologia e eu já entrei com isso na cabeça: Eu quero fazer um trabalho nesse sentido. Porque é uma população que não tem amparo no poder público, e é também uma questão social enorme. Quantas mulheres ficam desempregadas depois que perdem seus filhos? Quantas mulheres precisam de auxílio saúde pela Previdência Social? Porque você tem direito a no máximo uma semana de luto. Isso se você tiver uma proteção trabalhista. E aí eu tive a ideia de fazer esses grupos terapêuticos, com a ajuda de duas psicólogas.

Agência Brasil: E por que o grupo se chama Mães sem Nome?
Márcia: Esse nome faz referência a esse fato da gente não ter uma denominação, né? Porque existe a viúva, o órfão…  mas no dicionário não tem nome para essa dor, é uma falta de lugar. Fica uma sensação de estar entre dois mundos. E essa mulher fica mesmo com uma sensação de estar entre dois mundos, presa entre a vida e a morte. O tempo não faz mais sentido: nem o passado, nem o presente, nem o futuro.

Quem passa por uma circunstância como essa, fica com o sentido da vida completamente esvaziado, então, o presente não faz mais sentido. Mas também não faz sentido você fazer planos para o futuro, porque você já perdeu tudo que você não podia perder. E a gente vai para o passado para rememorar, para sentir saudade, mas o passado já passou. Então, você fica em lugar nenhum. E realmente não tem nome para essa dor. Ela fica realmente no lugar do inominável.

Agência Brasil: Considerando o tamanho dessa dor, as mães em luto sentem que as outras pessoas não compreendem ou que, às vezes, não estão dispostas a ouvir sobre o que elas estão passando?
Márcia: Totalmente. É uma dor que as pessoas não estão preparadas para enfrentar na família, no meio social, no trabalho… não estão. As pessoas não sabem o que vão te dizer. Porque sentem medo também. Todo mundo que tem um filho, quando vê uma mãe perder seu filho diz assim: ‘Deus me livre’. Então, as pessoas se afastam de você, porque elas ficam desconfortáveis do seu lado. E às vezes as pessoas que chegam junto ficam durante um certo tempo, mas depois elas vão embora. E a dor é sua e você tem que continuar lidando com ela, sabe?

E quando eu escrevi esse livro (Luto Materno), a minha intenção também é que os psicólogos leiam. Porque eu recebo muitas mães que disseram para mim que foram em psicólogos, mas eles disseram: ‘Isso vai passar, você vai se cuidar e ficar melhor’. E não era isso que elas queriam ouvir, entende? A palavra “superação”, por exemplo, é uma palavra condenada. Horrível! A mãe que perde um filho jamais vai conseguir superar isso. Mas ela pode fazer um movimento de realinhamento com a vid, de rearticulação com a vida.

Agência Brasil: Mesmo que seja um sofrimento muito grande, você defende muito enfaticamente que o luto não seja tratado como doença?
Márcia: Sim! Hoje em dia você tem no DSM, que é um manual onde os médicos listam todas as doenças, o luto é considerado como um transtorno. E isso é uma coisa muito complicada, porque muitos psiquiatras, quando vão atender essas mulheres, entendem que elas precisam sempre ser medicadas. E eu afirmo com todas as letras que não. A dor do luto é uma dor existencial. A mulher está profundamente triste, mas ela não está deprimida clinicamente.

Se essa mulher já sofria de depressão antes da morte do filho, ela pode sim ter essa depressão potencializada, mas isso não quer dizer que toda mãe que perde o filho vai desencadear uma depressão. Eu não considero transtorno, e também não considero nenhum desvio, nenhuma inadequação. Pelo contrário. Então a gente tem que escutar essa mulher, porque também é uma coisa muito singular. Se você colocar duas mães na minha frente que tenham perdido os filhos de formas similares, mesmo assim, o luto não vai ser idêntico. Eu destaco bastante isso no meu livro.

Agência Brasil: Além de reunir esses relatos, você também traz uma abordagem filosófica e histórica do luto?
Márcia: Isso! Esse livro, na verdade, é uma tese de mestrado. Depois da psicologia, eu fiz uma formação em fenomenologia, e essa abordagem traz justamente esse conceito, de que a gente não vê o transtorno, a gente vê o sofrimento. Então, eu fui lá atrás no Freud, que é uma das primeiras pessoas que vai falar de luto, e aí eu vou no Heidegger, que é um filósofo que está na base da abordagem fenomenológica, e ele diz que a gente é um ser jogado nesse mundo aqui e que a gente tem que lidar com a nossa finitude.

Mas como a gente lida? Se esquivando da morte. Então, qual é a saída? Eu trago como uma das possibilidades de tratamento a clínica compartilhada em grupo.

Agência Brasil: Que se relaciona com o trabalho que vocês fazem no Mães sem Nome, né? Como o grupo funciona?
Márcia: A gente tem uma página no Instagram (@maessemnome2023), e a mulher que precisa de ajuda, entra na página e deixa um recado lá. Aí a coordenadora da rede de psicólogas pega o nome dessa mãe e distribui para alguma psicóloga voluntária. Elas fazem uma entrevista de triagem, que é uma entrevista preliminar para entender como é que essa mãe está se sentindo, e se for uma história muito difícil, a gente propõe uma terapia em algumas sessões, para dar acolhida e perceber se ela vai estar apta para escutar outras histórias. Quando a gente percebe que sim, ela começa a participar. Nós temos dois encontros online nas quartas e nas sextas, e aos sábados aqui no consultório presencial.

O grupo é aberto, isso quer dizer que qualquer mulher pode entrar e sair a hora que quiser. Você pode entrar e ficar com a sua câmera fechada. Se você não está a fim de falar nesse dia, você pode só ouvir. E ela participa pelo tempo que quiser. O importante é elas saberem que sempre que quiserem e precisarem, a gente está ali. Para o livro, eu transcrevi alguns encontros e fui pensando algumas palavras que se repetiram. Mas com muito cuidado, porque eu não queria que essas palavras fossem entendidas como características do luto materno. Não tem como padronizar.

Agência Brasil: Datas comemorativas de maneira geral costumam ser complicadas para as pessoas em luto, mas o Dia das Mães é um desafio maior para essas mulheres?
Márcia: Tem um complicador a mais, sim. A gente não deixa de ser mãe, mesmo que perca o único filho que tem. E essa data lembra que a gente é mãe. E lembra que a gente perdeu esse filho. E para algumas mães que ainda têm filhos vivos, essa mulher fica dividida: eu tenho aqui uma vida para viver, eu tenho um filho para cuidar, mas eu perdi um outro filhinho.

Então assim, eu sei que é uma data comercial, mas ela toca numa ferida muito exposta. Por isso que a gente faz plantão psicológico para ouvi-las. Para que elas possam falar sobre isso e voltar para as suas casas e passar o dia bem com o filho que ela tem aqui nesse mundo, e para que ela possa em algum momento também fazer uma prece, se reconectar, mandar boas energias universo, enfim, pra que ela possa encontrar um lugar que seja confortável para ela nesse dia.

Agência Brasil: E quem está ao redor dessas mulheres, como pode ajudar?
Márcia: Estar presente, mas verdadeiramente presente. Eu acho que a gente precisa se conectar verdadeiramente com as pessoas, olhar no olho, abraçar, aquele abraço duradouro, aquele amor sincero, aquela energia boa. Você não precisa estar falando sobre o assunto, mas você pode estar presente e mostrar para essa pessoa que a vida tem outros prazeres, como sentar numa mesa, almoçar junto com a família. E se algo for dito, ou for transmitido no olhar… deixa dizer, se a vontade de chorar vier, deixa chorar e acolher essa dor. Entender que ela existe, mas a gente pode viver com essa dor guardadinha em algum lugar do coração, uma um lugar que seja respeitoso, cuidadoso, como um relicário, sabe? E, ao mesmo tempo, que tem alegria também.

A gente pode ter as duas coisas ao mesmo tempo, sim. Tem como acomodar as duas coisas dentro de si em lugares diferentes, mas num universo só, que somos nós mesmos. Essa é a arte de viver. E as mulheres que precisarem de ajuda podem procurar o nosso Instagram, que a gente entra em contato, a gente acolhe e cuida.





Agência Brasil

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