Uma das moléculas mais promissoras foi encontrada no coral-sol (gênero Tubastraea), espécie invasora que vem se disseminando por toda a costa brasileira desde a década de 1980 e ameaçando os corais nativos. O animal pesquisado por André foi coletado em São Sebastião, litoral norte de São Paulo.
“Nós extraímos seus compostos químicos e fomos isolando um por um, até chegar naquele que possui atividade contra o protozoário”, conta André, que foi transferido recentemente do Instituto Adolfo Lutz – a organização, assim como o Instituto Butantan, é vinculada à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. O trabalho foi publicado em 2022 na revista ACS Omega.
O composto natural isolado foi testado em células e mostrou seletividade para o parasita, ou seja, mata somente as células infectadas e não afeta as saudáveis. Agora, em colaboração com a Universidade de Oxford, os cientistas trabalham na síntese da molécula (desenvolvimento em laboratório) para eliminar a necessidade de extraí-la do coral, e futuramente devem testá-la em animais.
“O oceano é uma farmácia”
André Tempone resume nessa ideia o foco de seu trabalho. “Essa frase, que ouvi em uma palestra quando ainda era estudante, me instigou a pesquisar a biodiversidade marinha. Coletamos corais, esponjas e bactérias de sedimento marinho para prospectar moléculas com potencial terapêutico. Agora, no Butantan, pretendo dar continuidade ao projeto e explorar compostos de venenos de animais”, afirma.
O pesquisador também faz investigações além do mar, e já descreveu, em colaboração com a Universidade Federal do ABC, uma molécula encontrada na planta brasileira canela-amarela (Nectandra barbellata) que eliminou o Trypanosoma cruzi em testes in vitro. Mas descobrir um composto natural é apenas parte do processo: é preciso torná-lo viável para circular adequadamente no organismo e surtir o efeito desejado.
“O grupo da Universidade de Oxford fez a síntese da substância e seus derivados, e já passamos de uma centena de derivados melhorados. A molécula natural circulava no sangue de animais por apenas três minutos; com as modificações, ela agora age por 21 horas”, destaca o cientista.
Problemas cardiológicos e sequelas graves
Transmitida pelo barbeiro infectado com o Trypanosoma cruzi, a doença de Chagas é silenciosa e costuma demorar para ser diagnosticada – mais de 90% dos pacientes levam anos para descobrir a infecção. O problema é que o tratamento funciona melhor no início da doença; em estágio avançado, eliminar o parasita fica muito mais difícil. Por isso, além do controle do vetor, a busca por novas terapias é fundamental.
Uma das sequelas mais graves, que acomete 30% dos infectados, é o aumento do coração e insuficiência cardíaca, decorrente de uma inflamação crônica no músculo do coração. Também podem ocorrer problemas digestivos, como dilatação do intestino e do esôfago. Essas complicações costumam levar anos para acontecer.
A fase inicial da infecção pode ser assintomática ou causar febre prolongada (mais de 7 dias), dor de cabeça, fraqueza intensa e inchaço no rosto e nas pernas. Em caso de picada do barbeiro, pode surgir uma lesão semelhante a um furúnculo, de acordo com o Ministério da Saúde.
Além da picada, o parasita também pode ser transmitido por alimentos contaminados, mais comumente caldo de cana e açaí in natura, que podem conter restos de fezes do animal. Gestantes infectadas podem transmitir ao bebê.
O risco é maior para pessoas que residem em casas de estuque, taipa, sapê, pau a pique, madeira, entre outras estruturas que permitam a proliferação de insetos em frestas. O barbeiro também pode ser encontrado na mata, escondido em ninhos de pássaros, tocas de animais, cascas de tronco de árvores, montes de lenha e embaixo de pedras.
Doenças que merecem atenção
O dia 14 de abril é reconhecido como o Dia Mundial da Doença de Chagas pela OMS, que considera a doença “silenciosa e silenciada”, assim como outras enfermidades tropicais. São 30 a 40 mil novos casos no mundo todo ano, com 12 mil mortes. Embora predominem na América Latina e na África, os tripanossomas e outros agentes causadores de doenças tropicais devem ser uma preocupação de todos, ressalta o pesquisador André Tempone. Com as mudanças climáticas e os recordes de temperatura, esses organismos podem se adaptar a outras regiões do mundo.
“Tem Chagas nos Estados Unidos, por exemplo: no Texas, há barbeiros infectados, embora existam poucos registros de casos no país. Hoje, há 7 milhões de pessoas com a doença no mundo inteiro, que também se infectam durante viagens”, conta.
As doenças tropicais em geral causam 200 mil mortes e custam bilhões de dólares por ano a países em desenvolvimento. São consideradas negligenciadas pela falta de recursos voltados a estudos de prevenção e tratamento e a políticas públicas de controle. O problema só passou a ganhar mais notoriedade em 2015, quando foi incluído nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo a OMS, até o final de 2023, 50 países eliminaram pelo menos uma doença tropical negligenciada, e a população de risco e que necessita de intervenções diminuiu 26% entre 2010 e 2022.
No Brasil, essas doenças ainda representam um grave desafio de saúde pública. Entre as principais enfermidades estão a hanseníase, chikungunya, malária, esquistossomose, oncocersose, tracoma, doença de Chagas, leishmaniose e raiva. A maior parte se concentra nas regiões Norte e Nordeste, de acordo com o Ministério da Saúde.
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